Uma alegria sem tamanho era quando chegávamos da escola e o caminhão de caroço de algodão tinha vindo. Aquele era nosso reino. Brincávamos de manhã e à noitinha e também, de vez em quando, à tarde, nos fins de semana ou quando era feriado. Não éramos só Willis e eu que gostávamos de quando os caroços de algodão estavam ali na frente de casa. Aos fins de semana, quando meus primos iam até em casa, aquilo era pura diversão. Como de costume, além de nossas infinitas brincadeiras, sempre rolava uma briga e logo alguém fazia outro alguém comer o suplemento bovino. 

As brincadeiras pareciam não ter fim e elas iam desde guerra de caroços, o que deixava meu pai doido da cabeça, até enterrar alguém no monte de caroços até o pescoço. Uma vez enterramos, de pé, meu primo Vinícius e ele não conseguia sair, foi um verdadeiro sacrilégio.  A ideia principiou deste que aqui vos fala.

Era comum que aos domingos minha família se reunisse para churrasquear à sombra das mangueiras que estão, até hoje, no quintal da casa onde morávamos. E na época, haviam despejado, suponho que na quinta ou sexta feira, uma carreta de caroços de algodão. E lá fomos nós: aquela molecada, toda traquina, “nadar de braçada no monte de caroços. Costumávamos enterrar os nossos pés e mãos com os pequenos carocinhos e ali ficávamos, olhando o céu, conversando ou cantarolando alguma coisa, até que alguém criasse algum tipo de confusão que se desenvolvesse para uma briga generalizada. 

Meio entediado daquilo [de ficar olhando o céu e conversando como crianças comportadas], resolvi propor que fizéssemos um túnel, cujo este começasse em cima do monte de caroços e chegasse até o chão. A garotada topou e lá fomos nós. Estava meio complicado cavar até o chão com as mãos, então, a fim de facilitar nossas vidas, peguei uma cavadeira e comecei o trabalho. Não chegamos ao chão, mas cavamos até onde conseguimos e pronto: nossa alegria estava feita.

De repente, resolvemos ‘experimentar’ aquele buraco e foi aí que meu primo quis ser o primeiro da turma e entrou no túnel que havíamos cavado.

Como nunca fui um moleque de muita confiança, isto é, sempre aprontava com meus primos, assim que ele entrou, comecei a colocar de volta os caroços de algodão que havíamos tirado para ver como é que ele ficaria só com a cabeça de fora e em pé. Meu irmão e o restante dos meus primos não resistiram e começaram a me ajudar. A princípio, Vinícius ficou animado e até ajudou a empurrar alguns dos carocinhos para dentro do túnel onde ele estava, mas, acho que depois de ele ter percebido que deveras a coisa estava ficando apertada e os caroços já, presumo, o impediam de mexer as pernas, começou a dizer que queria sair dali. Mas aí já era. A molecada estava toda empolgada e continuamos.

Pois bem, enterramos o Vinícius até o pescoço, meio contra a vontade dele, que, a uma certa altura, já havia pedido para pararmos de jogar caroços no buraco onde ele estava. Pronto. Nossa traquinagem estava feita. E tivemos um baita trabalho pra desenterrar o enterrado vivo. Depois daquilo, acabou a graça pra todos nós. Não quisemos saber de caroço de algodão por uns trinta minutos. Depois deste tempo de reflexão, estávamos lá, todos juntos novamente.

A barra é que o fim da história sempre acabava em tristeza: meu pai acabava sabendo das nossas traquinagens e logo na segunda, mais tardando na terça contratava alguns homens para colocarem os caroços de algodão dentro de sacos. Na verdade, meu pai comprava justamente para colocar à venda.

Tristeza maior que, depois de uma baita segunda feira de aula na escola, chegar em casa e ver que os caroços de algodão estavam sendo ensacados; tristeza maior não havia. Porém, não adiantava de muita coisa, pois, assim que a sacaria ficava disposta, ali mesmo, na frente de casa, fazíamos jus ao ditado - se não tem tu, vai tu mesmo - e, já que não podíamos brincar de fazer túneis nos caroços de algodão, então nós brincávamos de escalada e, quase sempre, derrubávamos, pelo menos, uns três sacos de algodão.